Quem não devia consumir Canábis
13-04-2009 15:00
A canábis, como qualquer outra substância consumida pelo ser humano, possui efeitos característicos que contra-indicam o seu uso em algumas pessoas. Não pretendendo dar argumentos aos que opinam que o consumo de canábis deveria ser taxativamente proibido, mas antes privilegiando um uso racional baseado no conhecimento, expomos seguidamente as situações em que este consumo deveria ser evitado:
Pessoas com problemas pulmonares: O consumo de canábis por meios que impliquem a combustão do produto (mediante cachimbos, cigarros, bongs, etc.) está contra-indicado em sujeitos que sofram de bronquite, enfisema, asma e, ainda que não existam estudos que demonstrem uma relação directa entre o consumo de canábis e o cancro de pulmão, aqueles que padecem deste problema deveriam abster-se de usar estes meios de consumo. Isto aplica-se quando existe combustão (fumo); o consumo mediante vaporizadores não parece ter contra-indicações neste tipo de problemas.
Pessoas com problemas cardíacos: O canábis produz um aumento do consumo miocárdico de oxigénio, pelo que estaria contra-indicada neste grupo de pessoas.
O único grupo em que não estaria contra-indicado o seu consumo seria no caso de indivíduos ansiosos que referem taquicardias quando padecem de um ataque de ansiedade. Isto sempre e quando a canábis age como tranquilizante e não como desencadeante e/ou agravante dos referidos ataques.
Pessoas ansiosas: Em relação directa com o que acabamos de referir. Este ponto é bastante polémico, uma vez que indivíduos diferentes na mesma situação, consumindo a mesma qualidade de canábis e em igual dose podem experimentar efeitos muito dispares, que vão desde o ataque de pânico até ao mais profundo relaxamento. Os principais factores que influenciam são a predisposição e as expectativas do indivíduo, a sua experiência anterior, o tipo de canábis, a quantidade consumida, a via utilizada e o ambiente que rodeia o consumo.
Logicamente, o indivíduo que nos últimos consumos tenha padecido de ansiedade, deveria abster-se até que todos estes factores que comentámos anteriormente sejam propícios para evitar esta situação. Se ainda assim a pessoa sente ansiedade, deveria abster-se completamente de consumir.
Pessoas deprimidas: Existem estudos que demonstram uma relação entre o consumo abusivo de canábis (várias gramas por dia durante muitos meses) e o desenvolvimento de sintomas depressivos, mas esta situação dá-se em sujeitos seleccionados com características particulares. Por outro lado, é bem conhecido o uso da canábis para contrariar sintomas depressivos, e a imensa maioria de consumidores referem sentir-se menos tristes após consumir. É pouco provável que consumos moderados conduzam a uma depressão, mas se os seus consumos são elevados e existem antecedentes familiares ou pessoais de depressão, deve diminuir as quantidades ou analisar seriamente até que ponto as sensações que experimenta trazem benefícios ou se tornam contraproducentes.
Pessoas com psicoses: Este é o terreno mais pantanoso quando se fala de canábis e efeitos secundários. A relação existente entre o consumo prolongado de canábis e o desenvolvimento de psicoses leva anos sendo o principal foco de discussão nos encontros científicos relacionados com a canábis.
Por um lado, a canábis consegue produzir em certos indivíduos situações que poderíamos definir como “psicoses canábicas auto limitadas” (seguramente já ouviram falar de uma pessoa que não fuma porque quando o faz entra em paranóia). Por outro lado, estas situações são, como o seu próprio nome indica, auto limitadas no tempo, desaparecendo quando diminuem as concentrações de canábis no sangue.
Ainda assim, existem indivíduos que após um consumo de canábis, normalmente integrado num padrão de consumo continuado, desenvolve uma psicose permanente. Isto sucede em indivíduos com predisposição para desenvolver psicoses, seja esta uma predisposição genética, sócio-ambiental, familiar, etc. A canábis actuaria aqui como um “despertador” da psicose latente que formava parte inerente do indivíduo. Nesta situação a pergunta fulcral seria: Este indivíduo, se não tivesse consumido canábis; Teria acabado por desenvolver um quadro psicótico permanente no tempo?
Não devemos esquecer que não é apenas a canábis que tem este potencial. A maior parte das drogas consumidas pelo ser humano para além do canábis também o têm. Uma ruptura sentimental, a perda de um ente querido, um conflito inter-pessoal importante, e muitas outras situações geradoras de altos níveis de stress são possíveis desencadeadores de um episódio psicótico nestes indivíduos predispostos.
Num artigo recentemente publicado pela prestigiada revista médica “The Lancet”, os autores concluem que os indivíduos consumidores de canábis têm 43% de probabilidade de desenvolver um episódio psicótico, mas não diferenciam se este episódio seria o primeiro de uma psicose permanente, ou se seria uma daquelas psicoses que mais acima já denominámos de “auto limitadas”. Muito provavelmente, e tendo em conta que este estudo se trata de uma meta-análise (uma análise dos resultados de vários estudos), estes dois tipos de psicose contabilizam-se em conjunto, não sendo esta percentagem tão assustadora como em principio poderia parecer.
O que parece claro é que aquelas pessoas com antecedentes familiares ou pessoais de psicose deveriam vigiar os seus consumos, espaçando-os no tempo, reduzindo as doses e realizando-os num ambiente adequado. O facto de que a abstinência total eliminaria a canábis como factor de risco, deveria ser tido em conta.
Esquizofrénicos: Sendo a esquizofrenia um tipo muito particular de psicose, poderíamos aplicar os mesmos princípios do apartado anterior. No entanto, os psiquiatras que seguem o tratamento destes pacientes surpreendem-se com o elevado número de eles que consume canábis diariamente. Este fenómeno poderia derivar de varias causas. Uma delas seria que a canábis parece melhorar os sintomas negativos da esquizofrenia, como o isolamento social, a depressão, etc. Outra possibilidade estaria relacionada com a capacidade dos cannabinóides para reduzir alguns dos efeitos secundários da medicação anti-psicótica. No entanto, noutros indivíduos parece aumentar os denominados sintomas positivos, como seriam as alucinações e os delírios, sendo esta situação incomodativa para uns e não tanto para outros. Como vemos, na esquizofrenia a canábis actua como um pau de dois bicos, piorando a situação nalguns pacientes, e melhorando-a noutros. Neste sentido, e remetendo-nos novamente ao apartado anterior, diremos que aqueles indivíduos com antecedentes familiares de esquizofrenia deveriam controlar de perto os seus consumos, sabendo que uma abstinência total reduziria de maneira importante o risco de desenvolver este problema de saúde mental.
Estudantes: O consumo de canábis piora a memoria a curto prazo, que é o tipo de memória que os estudantes necessitam para reter a informação antes dos exames. As pessoas que tenham que memorizar dados para recordá-los num breve espaço de tempo não deveriam consumir canábis.
Utilizadores de maquinaria perigosa: Devido à capacidade da canábis para alterar a percepção espácio-temporal e para diminuir a atenção de abstracção, não é recomendado o seu consumo quando se manejam maquinarias perigosas. Isto, supostamente, seria aplicável à condução de veículos, mas estudos realizados em indivíduos sob os efeitos da canábis demonstraram que não existe um aumento do risco de sofrer acidentes de viação em relação a indivíduos não consumidores. Isto na prática, tem os seus “mas”. Doses altas de canábis poderiam claramente reduzir a velocidade de reacção, ou induzir alterações na percepção que tornassem a condução de veículos uma actividade perigosa. O ideal seria conduzir num perfeito estado de lucidez. Hoje em dia, poucas pessoas evitariam pegar no carro depois de tomar una cerveja, mas se atingem um estado ébrio ao fim de várias cervejas, já o evitam. Um raciocínio parecido seria perfeitamente aplicável ao consumo de canábis.
Grávidas: Ainda que não existam estudos que demonstrem danos irreparaveis em fetos de mãe consumidoras de canábis, não é recomendavel o uso de substâncias com potencial tóxico por mulheres grávidas, excepto quando estas substâncias sejam prescritas por um médico.
Dr. Javier Pedraza Valiente, Médico
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