Lisboa 5 de Maio de 2012

Consumo e cultivo de cannabis: Sensacionalismo jornalístico e estratégias de repressão

07-11-2009 14:41

Proliferam apreensões de plantações de cannabis em Portugal na ultima década e nos últimos meses percorridos do corrente ano, notificam jornais e instituições. Este caso gerou alguma polémica em alguns meios de comunicação portugueses, envolvendo instituições de segurança, e principalmente o IDT e a OEDT que apresentou recentemente (dia 5/11/09) em Bruxelas o relatório que produziram a avaliar o fenómeno das drogas e da toxicodependência, tal como o denominam, correspondente ao ano de 2007.

Várias noticias saíram nos jornais diários mais vendidos a dar conta dessa realidade através dos resultados obtidos pela acção repressiva da GNR e PSP, com títulos das noticias a indicar o aumento das apreensões de plantações de cannabis comparativamente ao ano anterior. Pode ler-se: «Suspeitos de plantar 'cannabis' aumentam 39%» (DN, 28/7/09); «Dispara apreensão de canábis» (CM, 31/8/09) a título de exemplo.

Recentemente (5 e 6 de Novembro de 2009) surgem novas noticias que acendem de novo a polémica, em que a PJ advoga que comparativamente ao ano anterior as apreensões de plantações de cannabis diminuíram consideravelmente, embora o número de plantas apreendidas seja idêntico ao do ano anterior. “A Polícia Judiciária conta 78 apreensões de canábis plantada em Portugal desde o início do ano, num total de 3200 plantas. O número de plantas já atingiu praticamente os números de todo o ano passado (3244), mas as plantações detectadas diminuíram (foram 183 em 2008).” (TSF, 5/11/09) Com estes resultados a PJ dá a polémica por simples polémica ao tomar a situação por “normal”, digamos assim, que quer dizer, a estratégia repressiva está garantida e operacional, pois os casos das apreensões revelam um carácter “artesanal” nas próprias palavras do director nacional-adjunto da PJ que é citado na noticia citada da TSF. Esta consideração parece ser, pois, um facto central na “polémica”, porque deixa entrever uma simples questão: esse carácter “artesanal” das plantações apreendidas não permitirá especular se os cultivadores plantam para consumo próprio? Pois cada caso é um caso é há os bastante ilustrativos.

No caso de se poder confirmar que uma esmagadora maioria das apreensões de plantações de cannabis são para consumo próprio e de modo nenhum contribuem para tráfico, como parece pela descrição da maioria das noticias diárias de apreensões de plantações, poderíamos assistir à confirmação da tese defendida pela Marcha Global da Marijuana de que a estratégia de repressão policial aumenta a perseguição aos produtores-consumidores e não vela pela sua segurança, enquanto que o tráfico continua imparável. Pôr em causa o sistema vigente, demonstrar que a legalização plena e a regulamentação através da lei será a única opção para respeitar as pessoas adultas que com consciência optam por consumir cannabis ou seus derivados e por cultivar cannabis para seu consumo próprio, é tarefa da Marcha Global da Marijuana.

Como se pode ver em muitas noticias que quase todos os dias aparecem nos jornais diários de detenções de plantações de cannabis, muitas dessas plantações são de pequena escala como evidenciam as descrições, o que permite presumir que são para consumo próprio, por ex: "GNR apreende 11 pés de "cannabis" em Tondela" (JN, 28/9/2009). Nalguns casos a GNR chega a dar conta de cultivadores detidos que alegam cultivar para consumo próprio. A aplicação da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro que descriminaliza o consumo de cannabis, nesses casos de cultivo para consumo próprio obedece a considerações complexas e pode mesmo evidenciar o carácter obsoleto da proibição vigente que, prejudica por isso mesmo gravemente a noção de direitos humanos da ONU e de cidadãos de direito com liberdade de expressão e de escolha de gostos e costumes assinalados também na constituição portuguesa.

Ora pode-se percepcionar que alguns títulos de noticias são puro sensacionalismo jornalístico, tanto pela forma como as noticias são publicadas, devido a títulos muito alarmistas que quando analisados os factos da realidade não correspondem bem ao relato da noticia ou são demasiado tendenciosos para fazer determinados juízos de valor (certamente induzidos pelas descrições das autoridades policiais), assim como pela forma 'copiadora' e em 'catadupa' que as noticias são postas a circular pelos diversos meios de comunicação. Ter estas questões em conta é importante se quisermos ter uma ideia mais objectiva da realidade em causa que é pela sua conjectura bastante complexa.

Por enquanto não se percebe bem qual é a realidade do retrato feito pelos diferentes jornais. Desde logo porque o que se conhece do problema é como ele é colocado pelas diversas instituições incumbidas de lidar com o problema, que reconhecem as suas limitações pois é incontornável que a realidade do problema do consumo e do tráfico é impossível de quantificar, uma vez que há um regime de proibição e perseguição, e tal como o relatório da OEDT enfatiza que há quem recorra a estratégias de escapar à repressão e plante cannabis no interior da sua casa e que esses casos não são detectáveis facilmente. Acontece que existem vários exemplos retratados nessas noticias que do ponto de vista do activismo pela legalização da cannabis merecem uma devida apreciação crítica para ajudar a compreender melhor esta realidade que nos preocupa a todos, tanto activistas pela legalização, com os demais consumidores, como a restante sociedade civil. Uma evidência é que os consumos de cannabis e os cultivos para consumo próprio (ou não) de cannabis estão enraizados um pouco por todo o mundo e disso o relatório da OEDT nos elucida e Portugal não é excepção como o IDT sabe bem.

Parece que os casos de consumos de canábis, não aumentaram de acordo com o relatório da OEDT (recentemente apresentado em Bruxelas), mantendo-se relativamente estáveis entre 2006 e 2007. Percebe-se que o IDT faz destes resultados bandeira positiva da lei da descriminalização (Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro) devido a justificarem as boas intenções da sua acção de prevenção com a relativa “normalidade” da situação identificada de consumos, ou seja, é a situação adequada à realidade que o IDT encontra e que tem merecido elogios da OEDT e de alguns políticos norte-americanos devido ao IDT ter apostado numa estratégia pioneira de lidar com o problema da "droga" que se caracteriza essencialmente por deixarem de considerar os consumidores de substâncias ilicitas como "criminosos" e passarem a considerar como "toxicodependentes-doentes". Mas veja-se: “A canábis continua a ser 'a droga ilegal mais frequentemente consumida na Europa', com 22,5 milhões de consumidores no último ano.” (CM, 6/11/09 citação do relatório do OEDT) e o próprio relatório do OEDT reconhece que o consumo permanece relativamente estável em Portugal, caso este que contraria a eficácia da acção do IDT que não “controlou” nenhum problema como proclama, pois o problema da “droga e da toxicodependência” manteve praticamente a mesma percentagem, embora nem o IDT, nem o OEDT como os próprios representantes reconhecem, conseguem ter uma perspectiva do todo da realidade do consumo e das plantações para consumo próprio ou não. Será que os objectivos do IDT irão permanecer inalterados perante esta realidade presente de consumidores que plantam cannabis apenas para seu próprio consumo? Será que a categoria de consumidor-toxicodependente (como doente) pode continuar a vigorar? É curioso, será que há mesmo consumidores de “ganza” que se oferecem para serem tratados pelos agentes do IDT?

Esta polémica sobre os aumentos dos cultivos de cannabis em Portugal, irá certamente acalmar, no decorrer do tempo, quando a pressão policial acalmar com a chegada do inverno e a comunicação social deixar de falar sobre o assunto e também pelas poucas pessoas que este assunto chama a atenção. Continuará, é certo, a proibição e a repressão ao cultivo de cannabis e só o tempo dirá se a aumentar ou não.

Como conclusão: acontece que as diversas instituições que lidam com “o” problema da "droga" produzem e reproduzem relatórios em que os consumos de substâncias psicoactivas ilicitas são uma realidade; que esses consumidores são milhões e milhões de pessoas só na Europa. Que há consumidores de substâncias psicoactivas proibidas que consomem com consciência da realidade do problema; Que a estratégia repressiva continua e continua a desinformação; que a desinformação aumenta a ignorância. Reconhecemos que o consumo de cannabis é amplamente difundido e que o cultivo para consumo próprio é uma realidade já com algum acento em alguns países europeus e que igualmente está presente em Portugal. Assim como o associativismo anti-proibicionista presente nos diversos países europeus, como com a Marcha Global da Marijuana em Portugal fazemos parte de um movimento global pela legalização que nos faz saber que em muitos sítios no mundo há muitas pessoas que defendem a legalização. Enquanto activistas pela legalização não nos cansamos de enfatizar os perigos e os problemas que a proibição produziu e produz. Este é, portanto, um pequeno retrato da realidade de um problema imenso para o qual estamos alerta e estamos preocupados, tanto enquanto sociedade civil, enquanto activistas pela legalização, enquanto consumidores (ou não), agentes de instituições, etc, porque diz respeito a todos, embora de diferentes posições e perspectivas. Escusado será falar mais da comunicação social de massas...

Uma coisa podemos ter a certeza, há consumidores de substâncias psicoactivas, há também consumidores de cannabis que cultivam a planta para próprio consumo. Se não se provar, como não se deve conseguir provar na maioria das detenções que os cultivos são para tráfico, estamos certos de que esses cultivadores são combatentes do tráfico e não compactuam com o tráfico. É certo que as categorias do IDT e da OEDT terão que ser repensadas urgentemente perante esta realidade, mas deve ser dificíl tal acontecer. Pode ser que este alarido faça as autoridades repressivas repensar também sobre o assunto. Seria um passo.

Daniel Freixa – Activista

Ligações relacionadas:

https://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1319088

https://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?contentid=0012A5BC-6E77-4076-B154-C45B8231958C&channelid=00000010-0000-0000-0000-000000000010

https://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?contentid=521DD379-24C9-4EAF-8E74-FA4AF78B969A&channelid=00000021-0000-0000-0000-000000000021

https://tsf.sapo.pt/PaginaInicial/Vida/Interior.aspx?content_id=1411272

https://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1411937

https://www.jornalnordeste.com/noticia.asp?idEdicao=290&id=12878&idSeccao=2612&Action=noticia

https://www.esquerda.net/index.php?option=com_content&task=view&id=14132&Itemid=1

https://www.emcdda.europa.eu/attachements.cfm/att_93236_PT_EMCDDA_AR2009_PT.pdf

https://www.destak.pt/artigo/43740

https://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Policia/Interior.aspx?content_id=1400568

https://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Policia/Interior.aspx?content_id=1400572

https://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=1374631
 

 

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